quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Sentimentos de Culpa Vs. Ignorância

Anónimo disse: "O que é estranho neste texto, para além da obcessão malthusiana, é que ele podia perfeitamente ter sido escrito por Paulo Teixeira Pinto. Estará o Paulo Pedroso por acaso ao serviço de algum maquiavelismo social-darwinista? Esquece que nunca houve na Terra tantos paraísos naturais e ecológicos sob estreitíssima protecção nacional e internacional? Porque omite os progessos realizados nas últimas décadas ao nível da "engenharia climática"? Porque razão me hei-de sentir terrivelmente culpado de existir ao ler aos seus textos?"
(1 de Maio de 2008 02:13)
_______________________________
Caro Anónimo,
Não sei porque razão acha que este texto poderia ter sido escrito por Paulo Teixeira Pinto. O que não deixa de ser estranho, isso sim, é essa acusação. Porque, ao fazê-la, você só está a redireccionar o incómodo que o meu texto lhe causa para alguém que representa certos grupos , certas classes e certas visões do mundo. No fundo, você continua a apontar o dedo e a ver a realidade metida em lógicas maniqueístas.
Pois olhe, não só não estou ao serviço de nenhum objectivo maquiavelista social-darwinista, e, desculpe que lhe diga, é ridículo pensar nesses termos, como estou, tão só a alertar as pessoas para os riscos que a sociedade moderna corre, como resultado dos excessos que nos temos permitido (excessos de liberdade de acção, que têm conduzido o planeta ao limite, excessos de igualdade económica, que têm levado o consumo a níveis estratosféricos, excessos de reprodução humana, que vão conduzir o planeta a tensões sociais, económicas, políticas, culturais e civilizacionais gravíssimas).
Era melhor ficar descansadinho e não dizer nada, não era? Continuar, como se nada se estivesse a passar. Além do mais, muito do que eu estou a dizer, já foi dito por autores consagrados e investigadores prestigiados.
A questão central deste novo discurso malthusiano não reside na possível falta de alimentos para uma população crescentemente voraz e exigente. Esse também é um problema importantíssimo e vai-nos causar muitas dores de cabeça nas próximas décadas. Mas, se quer saber, o grande problema que teremos de enfrentar e cujas consequências serão gravíssimas, tem a ver com o esgotamento do petróleo convencional.
Aconselho-o vivamente a ler apenas 4 livros:
- Uma verdade inconveniente (Al Gore)
- O Fim do Petróleo (James Howard Kunstler)
- Os Limites do Crescimento (Dennis Meadows)
- Seis Graus ( Mark Lynas)
Presumo que nenhum dos referidos autores partilha os valores e os princípios de Paulo Teixeira Pinto. Meter neste tipo de conversa a referência a esse senhor é apenas mais um sinal de que temos de nos preocupar a sério, tal é a mirabolante lógica que preside ao raciocínio humano dos nossos dias. Formatos há muitos!
Os imensos paraísos naturais e ecológicos só estão sob protecção porque o Homem arrasa tudo o resto. Se não destruíssemos avassaladoramente os ecossistemas deste planeta não teríamos necessidade de criar santuários. Mas, não me diga que você está à espera de garantir os recursos necessários à sobrevivência humana a partir do que restar nesses santuários? Sabe a que ritmo foi desflorestada a Europa? Sabe que área florestal tinha a Europa há tão só 1 século ou mesmo meio século? E sabe que estamos a destruir florestas tropicais a um ritmo assustador, tudo para satisfazer as nossas necessidades alimentares e providenciar matéria-prima para uma série de coisas como mobiliário ou papel?
Não me diga que, quando atingirmos o limite dos limites, acha que tudo irá correr bem porque nunca existiram tantos santuários ecológicos sob protecção?
E ainda refere os grandes progressos, das últimas décadas, ao nível da "engenharia climática". Mas quais progressos? Por acaso o Homem tem a capacidade mínima de controlar o clima mundial? Estamos, isso sim, a desregulá-lo a uma escala sem precedentes. Ainda não ouviu falar do aquecimento global? Entrou por um ouvido e saiu pelo outro? Ainda acha que está por provar que o aquecimento global é, efectivamente, o resultado da actividade humana? Já é consensual, entre a comunidade científica, que o aquecimento global é o resultado da actividade humana sobre este planeta. O clima, tal como o conhecemos, está em risco de colapsar a qualquer momento, podendo ultrapassar-se o limite a partir do qual deixaremos de reconhecer o clima planetário, devido à instabilidade, à desregulação, ao desequilíbrio e à intensidade de certos fenómenos.
Estiquemos um pouco mais a corda e poderemos ser os responsáveis pela interrupção da designada Corrente do Golfo, no Oceano Atlântico. E, se isso suceder (e olhe que já estivemos muito mais longe desse momento), pode dizer adeus ao clima tal como o conhece. Já imaginou a Inglaterra, a França ou a Espanha com Invernos semelhantes aos dos dos Estados Unidos ou do Canadá? Já imaginou a desertificação crescente, a diminuição dos recursos aquíferos, o derretimento das calotes polares, o aumento significativo dos níveis dos oceanos, o desaparecimento dos glaciares que garantem a sobrevivência a centenas e centenas de milhões de pessoas? E ainda o aumento contínuo das emissões de gases com efeitos de estufa, que provocam um aumento das temperaturas globais, intensificando as pressões humanas sobre os ecossistemas já de si frágeis. E o aumento impressionante de catástrofes naturais, como tornados, tempestades e furacões, que nunca tivemos registo de tantas como as observadas nos últimos anos (não só em quantidade mas, sobretudo, em intensidade e potência)? E agora, repare bem, até Portugal já tem os seus tornaditos!!! E os livros científicos que asseguravam que no Atlântico Sul não ocorriam furacões? Pois, parece que, recentemente, os livros tiveram de ser reescritos.
E tudo isto, devemos ignorá-lo, só para que você, assim como todos os outros consumidores-dependentes deste planeta, não se sintam mal. Vamos, então, continuar a ignorar os sinais e as evidências. Vamos continuar a consumir desenfreadamente e irresponsavelmente. Vamos continuar a assobiar para o lado e a enterrar a cabeça na areia, porque dá uma dor de cabeça terrível só por ter de pensar que, afinal de contas, não podemos continuar a esticar a corda. Vamos todos fingir que nada disto se passa e que está tudo bem.
É claro que poupamos uma dor de cabeça hoje. Mas o Homem vai continuar a querer mais e sempre mais. E, quando for visível aos olhos de todos, que somos demasiados para querer tudo o que está à disposição, nessa altura nem um milhão de toneladas de aspirina chegarão para lhe curar as dores de cabeça.
Por isso, deixe-se estar confortavelmente instalado no seu sofá, e faça o mesmo que muitos fizeram a Churchill: tape os ouvidos, para não se sentir mal, para não ser chamado à responsabilidade, para não ter o trabalho de fazer alguma coisa, para ver se continua a dormir, embalado na maravilhosa canção que é a nossa realidade.
Conhecer e compreender os riscos que temos de enfrentar é apenas o primeiro passo que todos temos de dar. Não é para que se sinta culpado. É para que deixe de ignorar a realidade, para que não diga que desconhece as causas dos problemas ou as consequências da actividade e das opções humanas. Porque só saberemos o que fazer se não formos ignorantes. As soluções só podem surgir quando conhecemos os problemas. Se vivermos na ilusão de que tudo está bem, se preferirmos enterrar a cabeça na areia, seremos apanhados pela mudança e não teremos compreendido nada. E, quando dermos o últimos suspiro, ainda estaremos a apontar o dedo a um qualquer Paulo Teixeira Pinto.

Sem comentários: